Como estudante de jornalismo e servidora pública, não pude deixar de responder à revista Istoé, pela péssima conduta no desempenho do Jornalismo ao escrever matéria e editorial tão parciais como nessa edição. Uma vergonha que a imprensa nacional se sujeite assim aos interesses privados.

Estou tão exaltada com a falta de escrúpulos dessa edição que peço desculpas por possíveis incorreções.

Não entendo a facilidade que esta revista tem para estampar em sua capa uma informação que ela não chegou a ir atrás para tomar conhecimento. “Quem são os grevistas que desafiam o Brasil”, a revista promete revelar ao leitor, e ainda seu diretor editorial diz que esses grevistas são uns farristas, que boiam em “berço esplêndido”. Em lugar das deduções totalmente parciais, viesadas, que contrariam a prestação do serviço de caráter público e imparcial que deveria ser o jornalismo, seria interessante que antes de tudo os jornalistas e editores da revista entendessem o que é o servidor e o serviço público. Que investigassem e falassem corretamente o que acontece no nosso país hoje em dia, que apontassem os dois lados da moeda. Quisera eu ter espaço para dizer quem são grande parte dos jornalistas da mídia nacional hoje em dia e quem são aqueles que trabalham na Istoé. Certamente minha apuração seria mais certeira que a de vocês quanto ao serviço público.

Ora, para começar, não podemos deixar de dizer que servidores públicos são os caras que garantem o mínimo do direito público do cidadão. O direito de uma clientela maior que de qualquer empresa privada, porque é a assistência à toda população. Que lida com o documento, o escasso recurso, o direito e o dever público. É o técnico, o agente, o professor, o analista, essa gente que utiliza qualquer material que chegue em suas mãos através dos trâmites legais e políticos para executar a prestação de serviço ao povo. Que muitas vezes retira do seu salário, que só é reajustado através de uma lei e não muda facilmente, a cada ano se defasando com a inflação, retira muitas vezes do seu salário o lápis, o grampo, o papel para trabalhar, porque o governo não dá. Desse salário sai a água que bebe enquanto trabalha, às vezes o papel higiênico que usa, a reforma do refeitório, uma luva ou touca que, em determinados momentos se faz necessário usar. Também do salário não reajustado por anos do servidor, sai os remédios que ele deverá tomar para tentar curar as doenças que adquire no ambiente de trabalho, desde problemas alérgicos, respiratórios, de coluna e até psiquiátricos, após ter de contornar diversos casos de assédio moral e responder à imposição de metas que não se realizam por conta da falta de recursos e pessoal, porque, entenda, o serviço público atende a toda uma população e por isso precisa de mais gente que qualquer empresa.

O salário do servidor público só se modifica com a lei, é por isso que seus salários podem ficar congelados por anos. Após pleitear aumento ao longo desses anos, com grandes perdas salariais acumuladas, eclode o movimento grevista. Os reajustes de 50% muitas vezes pleiteados visam a recuperação salarial do que foi perdido com a inflação. A constituição federal garante revisão geral e anual dos salários, exatamente por causa das perdas inflacionárias, mas os governos passam por cima dessa garantia, se aproveitando da péssima imagem que ele mesmo, a imprensa e alguns criminosos oportunistas que se apropriaram do título de servidor público, passam para população. Esse grande interesse em deturpar a imagem do serviço público e jogar a população contra o maior bem que já conquistou nesse país tem por objetivo abrir mais as veias do nosso país à roubalheira e ao interesse privado em detrimento da coisa pública. Porque, se condenam a saúde e a educação pública, por exemplo, cada vez mais a prestação privada desses serviços essenciais perdem a qualidade, pois não visam esse direito essencial do cidadão mas apenas o lucro. Por outro lado, apesar de todos os pesares, ainda se identifica saúde e ensino de excelência em instituições públicas por todo país. Querem também vender o direito à justiça – enquanto a campanha contra os salários dos técnicos e analistas do judiciário são contestados, empresas grandes e pequenas de todo país vivem dando golpes no serviço público, ora aliciando maus empregados públicos, tentando comprar favores e vantagens e, quando nada disso dá certo, se esquivam do dever, se aproveitando de uma legislação estapafúrdia, ou propondo acordos ridículos, ora pro Estado ora pro trabalhador, que acaba aceitando, porque não vê outra saída para se receber pelo menos uma parte do que tem direito.

Faz-se concurso público olhando os valores brutos da lei e, a princípio, os salários são muito atraentes. Não se trabalha sábados e feriados, não será mandado embora tão facilmente e, conforme o mito, servidor público não faz nada. Quem entra no serviço público com essa mentalidade errada acaba saindo ou se aproveita das brechas políticas – e não legais – para se dar bem. Porque, em regra, a coisa é bem diferente. No primeiro ano tudo parece bom, até que o país começa a mudar, os preços mudam e o salário permanece o mesmo. Por uma questão de ideais, fica-se um dia uma hora a mais, depois duas, às vezes 12h de trabalho se passam, vai um sábado por livre e espontânea vontade colocar as coisas em dia, mas a Administração nunca reconhece esse esforço nem essas horas extras. Sustenta-se uma família inteira, assume-se dívidas para manter o nível de vida que não é mais o mesmo, pelas perdas sofridas ao longo de anos. O profissional que desenvolveu diversas habilidades estudando ao longo da vida e praticando não é valorizado. É tratado como um robô que só serve à máquina burocrática quando realiza as atividades sob o domínio do medo, sem contestar, mesmo que isso implique em negar direitos ao cidadão, pois as resoluções dão margem a dúvidas e o que o governo quer são números e não excelência na prestação do serviço. Se um cidadão perder o direito a receber um valor, certamente essa quantia irá para os cofres dos mensalões do Brasil afora.

O servidor faz greve por salários que, na atualidade, condigam com a realidade do seu início de carreira, faz greve para que a organização administrativa se dê através do mérito em detrimento da política, exige recursos para trabalhar, luta contra o assédio moral, pela excelência do serviço, contra a corrupção no seu ambiente de trabalho, pela saúde do trabalhador, pela preservação dos direitos e pela igualdade de todos na categoria, mantendo-se firmes quando as propostas maquiadas atendem a um só grupo e não a todos. Isso é dignidade. Mas quando se há interesse privado envolvido na situação, como é o caso da imprensa atual, que mantém interesses empresarias acima da verdade e do interesse público, a verdade só está na casca, se pautando em exceções extremas, com histórias em que não se aprofundam, apenas para dar o viés que lhe é oportuno. Isso sim é oportunismo e, mais que isso, de uma total falta de caráter.

Brasil, imprensa nacional, mostre a sua cara!